DR. CHINFRIM

Naturalmente a expectativa criada em torno do resultado de um exame é sempre imensa e desgastante, principalmente quando o assunto é ‘aquilo’.


O Dr. Chinfrim rompeu o lacre do envelope, retirou o relatório de seu interior, leu-o, fitou sobre os óculos o casal que se encontrava sentado diante dele e, após frisar que deixaria palavras científicas de lado, disse-lhes que o resultado dos exames do senhor Dolene apontava não mais que um câncer.
– Infelizmente. – lamentou o médico.
A esposa do vitimado, a senhora Nariza, procurando um fio de esperança, indagou:
– Será que não é um equívoco, doutor?
– Este laboratório equivocar−se, senhora? Mais fácil boi voar.
– Não há tratamento, doutor? – quis saber o vitimado, senhor Dolene.
– Seria jogar dinheiro fora, senhor.
– Quantos dias de vida? – perguntou-lhe o desenganado.
– Sendo generoso, três dias, no máximo. – sentenciou o Dr. Chinfrim.
O aposento foi o refúgio ideal encontrado pelo senhor Dolene.
– Justamente agora que as coisas estavam indo bem. – queixou-se ele à esposa.
Eis que havia alguém à porta. Ao atender, a senhora Nariza verificou que era a prima que trazia, naquele momento, as passagens da viagem que fariam à Europa.
– Qual o motivo da apatia? – inquiriu ela em razão da recepção contrária a da expectativa.
– Dolene.
– O que ele tem?
– O resultado do exame do qual lhe falamos confirmou ‘aquilo’.
– Meu Deus!
– Encontra−se refugiado no quarto.
A senhora Nariza e a prima dirigiram-se ao quarto onde estava o senhor Dolene.
– Como se sente, homem? – inquiriu a visitante.
– Ora, como me sinto? O Dr. Chinfrim foi bastante sincero. Disse−nos que o laboratório onde o exame foi realizado é infalível, e que, tentar tratamento, seria jogar dinheiro fora. Acrescentou ainda que, sendo generoso, teria apenas três dias de vida.
– Nossa! Sinceridade ou terrorismo? Quem indicou a vocês esse carrasco?
– Pesquisamos na internet. – respondeu Nariza.
A prima lhe disse que, cabeleireiro ou profissional que fosse, sem indicação prévia, era loteria. Iriam procurar outro profissional previamente indicado.
– Vejo como um tiro de misericórdia. – reagiu o desenganado.
– Que tiro de misericórdia, homem? Devemos escutar outro profissional.
– A prima tem razão, Dolene. – ratificou a esposa.
– Claro que tenho, prima, falta de habilidade é um desastre. Se este tal de doutor...
– Chinfrim.
– É um bom ou mau profissional, não sei. Mas, há profissionais “chinfrins”, mesmo. Desejam repetir o exame em outro laboratório? Desejam tentar um tratamento? Três dias de vida?! Só o dia da partida para a eternidade é categórico, certeiro e preciso.
Estiveram então no consultório de um médico recomendado.
– O exame preliminar acusou câncer, não é mesmo? – inquiriu o profissional, olhando o resultado dos exames.
– Foi, doutor.
– Vou pedir uma radiografia. O custo é pequeno.
– E posteriormente farei o fatídico exame, não é, doutor? – indagou o senhor Dolene.
– Gostaria que primeiro fizesse o recomendado.
O senhor Dolene obedeceu−lhe e, retornando em seguida ao consultório, apresentou o envelope com o resultado.
– Câncer, senhor Dolene? – inquiriu o médico, analisando a radiografia contraposta à luz.
– Não é, doutor? – inquiriu o senhor Dolene.
O médico sorriu:
– Não é câncer, senhor Dolene. – afirmou o médico.
A prima da senhora Nariza reagiu imediatamente:
– Filho da mãe.
Ora, o médico, que estava a par do dilema, olhou com atenção a prima do falso doente, acomodou-se na cadeira e disse:
– Contarei, agora, uma história, senhora. Eu tinha um automóvel. Certa feita ele apresentou problema no motor. Levando−o a uma respeitada oficina autorizada, após simples e breve teste, condenaram o motor, ou seja, me disseram que teria que comprar um novo. Descrente do diagnóstico, levei−o a um velho mecânico e expliquei-lhe a situação. Pediu−me para confiar nele e deixasse o carro na oficina, pois logo que tivesse tempo iria examiná-lo na tranquila calada da noite. Resultado: retificou o motor e ainda rodei com o veículo por muitos anos. Qual é a moral da história? Fatos curiosos acontecem.
– Perdoe−me, doutor, mas deseja colocar panos quentes no ato irresponsável do colega? – perguntou a prima da senhora Nariza.
– Absolutamente, senhora. Quanto à incoerência dos resultados dos exames, creio que seja desnecessário saberem o motivo do xis da questão, e, desejando, o que considero natural, sugiro que consultem outro especialista. Todavia, posso assegurar-lhes que, se o resultado não estiver de acordo com o diagnóstico que lhes informei, rasgarei o meu diploma. No entanto, senhor Dolene, quero dizer-lhe que se trata de uma branda inflamação do fígado, fazendo-se necessário que se submeta a um tratamento.
Ora, o senhor Dolene havia se livrado de um gigantesco tormento, porém, o seu íntimo estava profundamente abalado. Procurou uma marcenaria e encomendou uma réplica de uma escopeta. Uma vez confeccionada, aprimorou−a e dirigiu−se ao consultório do Dr. Chinfrim. Com a falsa arma escondida debaixo de seu longo casaco, apresentou-se à atendente do médico. Após ouvir uma saudável prosa recebeu autorização para entrar, já que o profissional se encontrava livre naquele momento. Ao entrar e, apontar a '‘escopeta’' para o médico, cadeira e ele voaram longe. Disse, então, o senhor Dolene, atirando os novos resultados dos exames sobre a mesa:
– Viu, filho da puta... É para aprender a ser cuidadoso com o trato humano.


ILUSÃO OU FATO?

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