QUE ASSIM TIVESSE SIDO

A mãe de Yzolda, estava apreensiva, pois a filha, que havia chegado a casa, demasiadamente atrasada, insistia em viajar àquela hora da noite.


– São vinte e duas horas, minha filha.
– Eu sei, mamãe, mas o que posso fazer? – retrucou Yzolda enfiando pertences na mala.
– O que pode fazer? É viajar ao amanhecer.
– Como se pudesse.
– Claro que pode, o trabalho que espere.
Yzolda a olhou com um sorriso, mas engolindo a resposta disse:
– São apenas seis horas, mamãe.
– Eu sei que são apenas seis horas, Yzolda. Mas, difere se tivesse saído às dezoito horas. Trafegará pela pouco recomendável rodovia Lufo. Se tivesse saído no horário programado, a essa hora, já estaria próximo de Mularte.
– Mas cheguei atrasada e terei de viajar. – enfatizou Yzolda fechando a mala.
Uma e trinta da manhã, aquele trecho da rodovia Lufo, ladeada por altos eucaliptos, era um breu e deserto só. O automóvel de Yzolda encontrava-se parado no acostamento. Lanternas e faróis acessos e um dos pneus arriado.
– Nunca acertei trocar pneus. – disse ela a um homem que havia surgido do nada, o qual se prontificara em ajudá-la.
– Mal das mulheres. – retrucou ele, correndo a mão no pneu que havia esvaziado.
– O que encontrou? – inquiriu ela.
– “porco-espinho.”
– Porco-espinho?
– Madeira com pregos atirada na pista para furar pneus. – explicou.
– Meus Deus…
Erguendo-se, pediu para que as ferramentas de praxe fossem providenciadas, já que efetuaria a troca… Ferramentas então providenciadas. O homem, voltando a se agachar junto ao pneu avariado, perguntou-lhe para onde estava indo.
– Para Mularte.
– Fazer o quê? Se me permite?
– Sou vendedora da Neriocal. Fecharei uma grande encomenda.
– Mentira!
– É verdade! – retrucou.
– Sou gerente da Niazigi. – disse ele.
– Mentira!
– É verdade!
– E o que faz por aqui? Se bem que aqui também me encontro. – conversou Yzolda.
– Estou de férias, descansando na casa de meus pais. Ao caminhar até à varanda e avistar um automóvel parado no acostamento, com lanternas acessas, cheguei aqui para verificar o que estava acontecendo.
– Nem ao ar livre o celular funciona. – confessou ela.
– Aqui nada funciona. – replicou ele.
– Engraçado, não avistei nenhuma residência e nem muito menos qualquer iluminação.
– Os eucaliptos impedem a visão. No entanto, se quiser, pode verificar, espiando através de alguma de suas frestas. – sugeriu o desconhecido.
Ela, erguendo-se e acatando a sugestão do homem, avistou em meio à escuridão uma imensa e isolada residência, totalmente iluminada. Na sala, era possível enxergar um casal de idosos dançando juntos, embalados por uma música suave.
– São seus pais? – perguntou ela.
– Aposto que estão dançando.
– Estão sim! – afirmou.
– Assim, há vinte e dois anos, todas as noites, eles fazem isso.
Yzolda os contemplou por alguns minutos e, voltando a se agachar, confessou:
– Gostaria que fosse assim com os meus pais. Infelizmente eles são separados.
– … Acontece. – disse ele.
Minutos depois, o homem ergueu-se e disse que havia concluído o agradável serviço. Guardou as ferramentas e o pneu avariado, fechando, em seguida o porta-malas.
– Pronto!
– Como posso agradecer-lhe? – perguntou Yzolda estendendo-lhe a mão.
– Dando-nos a honra de um dia nos visitar.
– Um dia, os visitá-los-ei. – garantiu.
O homem, gentilmente, abriu-lhe a porta do automóvel. Ela, acionou o motor, engrenou marcha, ligou a seta, acenou e partiu.
O dia amanhecia quando dois policias batiam à porta da residência da mãe de Yzolda. Imediatamente a senhora abriu a porta e lhes perguntou o que desejavam.
– A senhora é a mãe de Yzolda Amaral? – perguntou um dos policiais.
– Sou. O que aconteceu?
– Infelizmente, senhora…
– … Não! – gritou à senhora, levando às mãos à cabeça.
Yzolda fora encontrada morta, ao lado do automóvel. Havia um “porco-espinho” cravado em um dos pneus. Estava despida e retalhada. Seu ‘desdobramento’, aqui narrado, faz parte de seus últimos suspiros: ‘agonizando’ e delirando. Desejando que assim tivesse sido.


ILUSÃO OU FATO?

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