FAZENDA ASSOMBRAÇÃO

“VENHA VIVER O MUNDO ESPIRITUAL”. Esse era o convite propagado pela empresa hoteleira que explorava o fenômeno apresentado na Fazenda Van Persen.



... Popularmente conhecida como Fazenda Assombração...

Devido à intensa procura, cobrava−se um valor significativo para quem quisesse passar duas noites no local a fim de que pudesse sair realmente convencido da existência de um mundo espiritual.


Os corajosos hóspedes estavam abismados com as feições atraentes dos falecidos, ex−proprietários da fazenda, visualizados em maior dimensão na foto exposta em uma das paredes da casa. Tratava-se do casal Arien e Arieda Van Persen e os herdeiros. Andriese e Arjen constituíam a prole de filhos do gênero masculino. Ariek, Analke e Aleide constituíam a prole do gênero feminino. O risonho chamava−se Coen, sobrinho da senhora Arieda. Mortos pela tempestiva Aleid, a mais jovem. Ou, sido mortos por “Boneca de Louça”. Tratamento dispensado pelos empregados devido ao seu demasiado encanto.
Abandonada, por décadas, da casa−sede, avistavam−se arbustos, uma antiga torre receptadora de ondas curtas e um sinistro e imenso galpão de madeira. Cômodo distante que, segundo relatos, fora palco de práticas pervertidas da família e cruel pelourinho para dezenas de empregados. Ainda, de acordo com relatos, a também vaidosa, orgulhosa e magoada “Boneca de Louça”, não aceitou a humilhação imposta pela vida. Picada por um inseto, definhando, envenenou os entes amados, ingerindo a bebida em seguida.
A curta estadia apenas começava. Depois de contemplarem o quadro e definirem as acomodações, providenciaram a refeição do meio-dia. A dispensa era farta, porém nada mais. O preparo da dieta ficava por conta dos hóspedes, cuja equipe de manutenção só comparecia quando partiam. Meditando sobre o avisado desconforto, embora apenas por duas noites, a hóspede de nome Julieta, 62 anos, ascende o cigarro e se dirige para a varanda frontal. Conhecedora dos assustadores episódios narrados por colegas que já tinham participado da espinhosa aventura, soprando a fumaça do cigarro, olha para o único meio de comunicação existente. Olha para a velha e ingrata torre receptora que outrora os alimentavam com música e imagem…
− … A vizinhança mais próxima, a oito quilômetros, e no cair da tarde, o sólido terreno que circunda a fazenda se transforma em charco. − observa Francesa.
− Será difícil, Francesa.
– Basta não se engraçar com nenhum dos afeiçoados senhores. – pisca graciosa.
A senhora Julieta ri.
Embora constasse no manual, Mion quis saber como surgiu a história de a fazenda ser mal assombrada. Francesa, disse que surgiu dez anos depois de falecidos, quando a mata era o único ser existente.
− Objetos foram roubados. Na cidade mais próxima, situada a oito quilômetros, pertences pessoais de toda a família circularam nas mãos da população: cadernos com anotações sigilosas e não sigilosas. Aleid relata os seus últimos momentos de vida. Muito triste. Mas a história de a fazenda ser mal assombrada, surgiu do alto. Ocupantes de pequenos aviões voando em baixa altitude durante a noite despertavam curiosidade pelo inexistente parque iluminado e em festa.
Por volta das 14 horas, resolvem visitar a prainha. Caminhando por entre o capinzal, a meia altura, a bem estruturada Kátia, esposa de Mion, confidencia a Francesa que o mundo espiritual parecia realmente existir. Já tinha sido apalpada ousadamente por um dos pervertidos anfitriões.
– E pegaram de jeito. – afirma.
− Observou o comportamento de Isaac? − pergunta Francesa. − Durante toda manhã, com olhar perdido sobre a foto da pervertida família, tendo, certamente se encantado com alguma das falecidas. Era preciso que evitássemos qualquer relacionamento com eles, por serem perigosos. Fora o que o apresentador da fazenda mais nos recomendou.
Caminham margeando o rio. A prainha ficava um pouco adiante. Ao acessarem a bacia percebem que não tinham ido preparados para um banho. Então se dirigem para um alto, se acomodam sob o frondoso arbusto e dão prosseguimento ao entrosamento. Haviam se conhecido recentemente. Seis horas no interior da Van não foram suficientes. Francesa diz que fora uma fazenda próspera. O casal de colonos Van Persen era rude por natureza. Mas os filhos e o sobrinho, não. Não ingressaram na faculdade, porém, alcançaram grau máximo de estudo exigido na época. Conheciam praticamente todos continentes e falavam fluentemente quatro idiomas. Mantinham bom relacionamento com jovens da alta sociedade. No entanto, o aconchego predileto deles era ali. Direta e indiretamente envolvidos com a produção, a fazenda chegou a contar com mil e oitocentas pessoas. Portanto tinham ocupação. Como se não bastasse, havia festas pomposas da família e comemorações.
− “Boneca de Louça” completaria dezoito anos.
− Faltavam quatro meses para o seu aniversário quando foi picada. Tentaram de tudo, mas não obtiveram êxito. Sofreram muito. “Boneca de Louça” era a luz da casa.
Isaac, de repente, se ergue e, após olhar para certa direção, radiante, diz que não acreditava no que estava vendo. Eram eles! As garotas, um encanto!
Todos se erguem.
− Encenação. Só pode ser. – afirma Mion.
Os Van Persen, em trajes de banho. Analk vinha à frente. Passam à frente do abismado grupo de hóspedes, da esquerda para a direita e adiante retornam.
−… Estão retornando!
Ganham as areias da prainha e mergulham nas águas.
−… Sumiram…
− Não é possível!
Perplexos, vigiam as laterais das águas e a margem do outro lado, na esperança de avistá−los.
− Sumiram, gente!
− Vamos sair daqui. − implora a senhora Julieta.
− Espere.
− Esperar o quê?
Em passos largos e atentos na retaguarda, abandonam o local.
− Foram eles sim!
− Meu Deus…
Chegam à casa exaustos, procuram entender se era realidade o que tinham visto. Francesa providencia café, havia ali uma máquina. Os irmãos Petra desatam a rir freneticamente.
Após a ‘ceia’. Mion e a esposa, com Francesa e Gustavo Petra, se ocupam com as cartas. Jogo em andamento. Gustavo Petra demonstrava saber conduzi−las, olhava malicioso para a parceira e piscava deparando−se, em seguida, com a dupla adversária em apuros. Francesa gargalhava… Escutam sutis pisadas na varanda. A senhora Julieta abandona o livro pertinente ao propósito da excursão e, à janela, ao olhar através das frestas de ventilação, se volta e avisa:
− São as irmãs… Ariek, Analke e Aleide.
Batidas na porta e, numa voz fanhosa e moleque, um ariscado pedido: “Deixe nós entrar, moço.”
−…
Em silêncio, olhavam para a porta. Aos fundos, também, havia outra porta e o fenômeno se repete:
“Deixe nós entrar, moço.”
A senhora Julieta mais uma vez se aproxima da janela e, ao repetir o ato, grita afastando−se. Uma delas olhava de baixo para cima.
“Deixe nós entrar, moço.”
Aquietam. Olham através das frestas. Estavam deitadas num canto da varanda. Tempos depois constatam que haviam desaparecido.
Francesa dividia o dormitório com a senhora Julieta.
− A senhora sabia que viveria momentos desconfortáveis. Então por que não faz igual a mim, quieta, agasalhada e coberta se deliciando com o frio da noite? O sono logo chega.
− Assustador, Francesa, escuto movimentações e conversas de falecidos. O senhor Arien está bravo com um dos filhos.
Ficam escutando e adormecem. Horas depois, Francesa desperta com um barulho: a porta principal havia batido. Suspeitando do que se trata, abandona a cama e se dirige ao dormitório de Isaac. Suspeita confirmada, bate na porta do dormitório dos irmãos Petra e diz que Isaac havia saído. Repete o ato à porta do dormitório do casal Mion e Kátia e, em seguida, avisa a senhora Julieta.
−… O que podemos fazer? – pergunta Mion.
Francesa diz que Kátia e ela suspeitavam de que Isaac estava obcecado por uma das irmãs Persen. Então ela acreditava que a tal havia se manifestado e assim saíram. Mion sugere saírem para procurá−lo. Francesa replica que a lua ofertava contribuição, mas onde procurá−lo?
Momentos depois Isaac adentra.
− Estávamos preocupados. – diz Francesa.
− Encontrava−me no galpão.
− Sozinho?
Nada responde. Retirando−se, Francesa olha para os demais.
− Fora o que mais o apresentador nos recomendou. Era preciso que evitassem qualquer relacionamento com eles, por serem perigosos. − diz.
− Vamos espiar o galpão? – sugere Kátia.
Estava frio. Lua presente. Caminham alguns bons metros e adentram o galpão. Carlos Petra localiza o interruptor e as luzes se ascendem… Apenas um baú de madeira e, ao lado, rolos de cordas. Ergue a tampa do baú e, ao verificar o conteúdo, diz:
− São apenas ferramentas agrícolas.
Olham em volta e, neutralizados, retornam para a casa.
O dia amanhece chuvoso e, depois do desjejum, fitam o ócio.
− Um tédio só. – resmunga a senhora Julieta.
Carlos Petra diz que o tédio podia ser resolvido dando voltas na fazenda.
− Há luxuosa camioneta à nossa disposição.
Isaac, por sua vez, diz que o passatempo seria proveitoso, porém sentia−se indisposto. Francesa e Kátia se olham.
Depois de longos minutos, circulando por entre imensos canteiros de arbustos vegetações e capins, exaustos, retornam. Decididos a deglutir a comida de verdade.
– Churrasco?!
Os irmãos Petra, mentores da ideia, se prontificaram em preparar o churrasco.
Depois do farto almoço marcado por constantes rondas de Analk em torno da casa, e por repentinos sumiços de Isaac, comportamento esse que levou Kátia a suspeitar de ser Analk a sua predileta, Francesa, aproveitando a última claridade do dia, observa que o portão do galpão estava aberto. Carlos Petra, afirma que havia trancado.
− Vamos verificar? – convida Francesa.
O percurso se repete e adentram…
– ... As pilhas dos rolos de corda estão desuniformes.
– Convencido?
– Dou por falta de um rolo de corda. – afirma Carlos Petra.
Ao retornarem, Isaac pergunta o que está acontecendo. Mion responde que ‘eles’ eram ardis. No entanto, só produziam som, aparição e indução. Não tinham poderes para mover nada. Então estava evidente que algum dos carnais ali presentes tinha se apoderado de um rolo de corda cuja utilidade os inocentes desconheciam.
Às 20 horas, ainda estavam fartos. Fora comida à vontade. Acomodam-se na varanda. Francesa conversa:
− Analk fora a queridinha da família e sonhava com um amor verdadeiro. Ao longo do nosso almoço de verdade, avistamos Analk trajada de camponesa em rondas constantes em torno da casa.
– Repentinos sumiços de Isaac. – observa Carlos Petra.
A senhora Julieta acende o cigarro e pergunta:

− Com qual propósito… Isaac se apoderado supostamente do rolo de corda?
Gustavo Petra consulta o relógio, diz que iria se recolher e, às 6 horas, estariam de pé.
− Farei também o mesmo. − concorda o irmão.
Francesa se trocava para deitar quando escuta a porta principal bater. Não foi privilégio. Ao se aproximar da porta, o casal Mion e Kátia e os irmãos Petra olhavam para a escuridão.
− Ainda cheguei a avistá−los. – diz Mion.
− Analk?
− Ela mesma. Isaac a seguiu. Há uma bifurcação adiante.
–… O motivo da nossa hesitação. – justifica Carlos Petra.
− Usará a corda. – afirma Francesa.
− No morrinho da prainha, Francesa. Há uma vistosa árvore.
− Bem lembrado, Kátia!
Mion sugere a camioneta. No entanto, ao assumir, a direção reage.
− Filho da mãe! – ausência das chaves na ignição.
Destemidos, correm na escuridão para a prainha. Ao chegar, esbaforidos, acautelam os passos, se aproximam lentamente e avistam o presságio pendente num dos galhos da árvore.
–… Sabia… – balbucia Kátia.
Isaac e Analke conversavam. Ela olhava para a forca e voltavam a conversar… Isaac olha demoradamente para o presságio, ao se preparar para subir na árvore, Francesa grita:
− Isaac!
Analke se volta na direção do grito e desaparece.
Às 7 horas, uma Van “Fazenda Assombração” estaciona na porta da casa. A equipe de empregados desce e permanece aguardando que os hóspedes deixem a casa. Isaac, o primeiro a deixá−la, ria desajeitado e balançava a cabeça. Cumprimenta amigável a equipe de trabalhadores e se acomoda no interior da Van. Momentos depois, os demais fazem o mesmo. Após breve conferência, o motorista assina o documento, olha−os através do retrovisor interno, buzina e dá partida.
− Em breve outros chegarão. – conversa Francesa.

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