O SEGREDO DA CAIXA MÁGICA

Mirana e Cibele eram concunhadas. Não se afinavam e não se falavam há bom tempo. Porém, atendendo a um pedido de Mirana, o distanciamento se desfez.


Mirana, ao telefone, pediu a Cibele que conversasse com o esposo para que este também dialogasse com o marido dela, porque os dias de convivência do casal estavam se tornando desagradáveis. Cibele, ciente do zum-zum, e convivendo com o mesmo problema, mas que o administrava com compreensão, abandona a leitura dos gráficos estatísticos, serviço esse solicitado pelo esposo e diz:
– Pede-me que converse com o Élton para que dialogue com o seu esposo porque os dias de convivência de vocês estão se tornando insuportáveis.
– Isso.
– Como que os dias de convivência de vocês estão se tornando insuportáveis, Mirana? Não estou entendendo. Afinal vivemos num paraíso. Para que você desperte para a dimensão de nosso céu, acabei de adquirir um automóvel “zerinho”, num simples e descontraído estalar de dedos.
– O paraíso poderia ser melhor, Cibele.
– O paraíso poderia ser melhor?!
– Lógico!
– Perdoe-me, amiga, continuo não entendendo.
– Ora, Cibele, o Élson fraqueja em certas atitudes.
– Nas atitudes que o prejudicariam ou que o elevariam?
– Como assim?
– Sabemos que não existe decisão facultativa para algo que esteja importunando o prejudicado, não é verdade? No entanto, o mesmo não acontece com algo que esteja elevando o elogiado. Em você, por exemplo, é facultativo o uso de trajes chamativos de atenção.
– Não estou brincando, Cibele.
– Nem muito menos eu, minha boa concunhada. Se me permite, não vejo com bons olhos você desejar ampliar o nosso paraíso. As coisas podem desandar e vamos nos queixar que foi olho gordo do alheio. Quando a verdade seria outra.
– Sou audaciosa, Cibele. Sou mulher do século XXI. Desculpe-me.
Cibele medita, balança a cabeça e réplica:
– Então proponha divórcio, mulher sereia.
– Por favor, Cibele, se a procuro é porque necessito de ajuda.
– A conformada medieval mulher assim pensa, querida. Caso o Élton titubeasse nas decisões que realmente nos prejudicasse, pediria o divórcio.
– O Élson é devoto da própria imagem, Cibele. Adora deixar rastro de admiradores por onde passa. Daí evita austeridade.
– O mesmo acontece com o Élton, princesa. Crianças, jovens e idosos se encantam com a carismática figura. A “piranhada”… nem se fala. Fico feliz de o Élton ser devoto da própria imagem. Juízo, querida.
–… Você está aborrecida comigo não é mesmo?
– Por que estaria, Mirana?
– Por não ter comparecido ao funeral dos pais deles.
– Absolutamente.
– Fora justamente no dia de uma imprescindível consulta médica.
– Olhe, Mirana, embora reconheça não ter sido o momento apropriado, sinto por você ter perdido a oportunidade de conhecer o predileto pedaço de chão dos nossos maridos.
– Conheci!
– Conheceu?
– Tive o… prazer de conhecer. Estivemos no predileto pedaço de chão de nossos companheiros, na semana passada. O Élton não lhe contou?
– … Não.
– Pois estivemos. Predileto pedaço de chão, por sinal localizado no agreste que o próprio Élson reconhece ser impossível frequentarmos semanalmente como gostaria.
– De fato. O Élton também reconhece ser impossível frequentarmos semanalmente como gostaríamos.
– São quatrocentos quilômetros…
– Quer dizer que teve o prazer de conhecer o predileto pedaço de chão dos nossos cônjuges?
– Posso ser sincera?
– Claro!
– Não sei se foi prazer. Sou da cidade e não da mata. Costumo beber água ozonizada e gelada e não de porão decantada e esfriada pela boa vontade do tempo. Além do mais, de tanto ouvir do Élson, “O meu predileto pedaço de chão”, imaginava encontrar um castelo no oásis. Mas como você também conhece, não passa de uma casita acercada por matas. Pássaros birrentos, mosquitos inconvenientes e morcegos assustadores.
Cibele ri.
–… Olhe, amiga, embalei-me com a mesma expectativa. Imaginei me deparar com um castelo no oásis. Então, quando estive pela primeira vez no predileto pedaço de chão, desmoronei. Porém, naquele momento, olhei para o Élton e percebi que os seus olhos brilhavam de felicidade…
– Por que mentiam?
– O Élton nunca me disse que morava num palacete. O Élson alguma vez assim lhe disse?
– Não.
– Então não mentiram. Fomos traídas pelas nossas ansiosas expectativas. A empolgada expressão: “O nosso predileto pedaço de chão” nos dava ideia de formosura e dimensão. Ao menos assim acontecia comigo.
–…
Cibele acende o cigarro e arma a arapuca.
– O seu esposo lhe falou sobre a caixa mágica? − pergunta.
– Vira e mexe e fala sobre o engodo dos pais: depositavam a parca renda na caixa e ela magicamente duplicava a importância.
– Bem, Mirana, para que pudéssemos continuar com esse assunto, o ideal seria que o conhecesse melhor.
– Por que isso, Cibele? Acha que não o conheço?
– Não é isso.
– Então continue… Você despertou a minha curiosidade, portanto exijo saber de tudo.
– Bem, dois meses depois do sepultamento dos pais de nossos maridos, o Élton e eu retornamos ao predileto pedaço de chão, quando tive a oportunidade de me aprofundar sobre a infância e a juventude dos dóceis irmãos que nos acompanham nessa ardil estrada da vida. Passado esse visualizado no conservadíssimo álbum da família. Refeições resumidas, mais unidos. Festas simples, mais unidos. Brincadeiras simples, mais unidos. Oração em família diante do acanhado oráculo. Roupas cingidas e sapatos desgastados se dirigindo para a escola. Impulsionados por um incentivador, aceno dos genitores na porta de casa. Assim cresceram. Hoje são o que são e, por onde passam, deixam rastro de admiradores. Quanto à caixa mágica, não vejo como engodo. Trata-se de representativa mensagem dos pais. A parca renda com harmonia poderia ser multiplicada.
–…
– Mirana?
–…
Desligou...
Cibele sopra a fumaça do cigarro, balança a cabeça e murmura:
– Idiota recalcada.


ILUSÃO OU FATO?

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