CONSPIRAÇÃO INVISÍVEL

O autor da correspondência traça um paralelo entre a ótica visível do dia a dia com a ótica defendida pelos observadores da conspiração invisível.


CARTA ENCONTRADA NO INTERIOR DE UM LIVRO DE CERTA BIBLIOTECA

“Caro Liberato, como também é de seu conhecimento, exerci durante trinta e cinco anos a atividade de investigador particular. Ao longo desses anos, tive a oportunidade de lidar com inúmeros casos curiosos. No entanto, interpretados como meras coincidências da vida. Entretanto, até certo dia, quando li pequeno artigo publicado pelos observadores da conspiração invisível titulado 'DÍVIDA NÃO PAGA, E SALDO POSITIVO NÃO USUFRUÍDO SÃO DEPOSITADOS NO COFRE'. Diante disso, ao ser contemplado com a aposentadoria, fato inclusive recente, resolvi averiguar se tal ideia fazia sentido. Possuo, como também é de seu conhecimento, vasta coleção de investigações que atendem ambas as faces. Por questão exclusiva do frescor, optei rever a falência da PRN: Peças de Reposição Nanci. A senhora Nanci, ainda atordoada, contratou-me com o objetivo de investigar a falência de sua empresa. Estava convencida de que fora provocada por sabotagem, cuja origem da suspeita devia-se ao fato: Residia num elegante bairro distante, numa sossegada, larga e comprida rua, ladeada por magníficas residências. O trânsito de moradores e os serviços aos mesmos dispensados eram realizados, na grande totalidade, através de veículos. Certa tarde, um estranho casal de transeunte, aproveitando-se de que o caseiro regava as flores do jardim, solicitou um copo d’água. Ela encontrava-se próximo. Enquanto o caseiro o servia, percebeu que o estranho casal a olhava insistentemente. O que a senhora Nanci queria de mim? Que levantasse a identidade do casal porque o fato acontecera dias antes da tragédia que se abatera sobre a PRN. Indaguei se tinha inimigos. Respondeu que, profissionalmente, talvez sim. Quando advogava, vencera (?) o processo instaurado contra a Viação Rangai. Pesava contra a Viação Rangai, a imprudência de um de seus motoristas. Alcoolizado, provocara um acidente resultante na morte de 35 passageiros. Iniciei a investigação com carta branca para especular o que fosse necessário. Conversei com o ex-diretor-geral da PRN. Contou-me ele que conhecia a senhora Nanci, de longa data. Sempre guerreira, havia conseguido o que muitos almejavam: obter a concessão de montagem das peças de reposição da patente Noreste. Isso, no entanto, depois de ter recebido uma significativa importância. (evitou se estender) Porém, não suficiente para realizar a pretensão. Portanto, a PRN fora constituída com 90% do capital financiado por dois bancos. Garantiu que tinha tudo para dar certo. Estava dando certo. Em apenas dezoito meses de funcionamento, os números contábeis eram animadores. Houve a necessidade de aumentar a produção quando sucedera o incidente... Ora, meu caro Liberato, objetivava eu descobrir a identidade do estranho casal. Então lhe perguntei como fora que a 'desastrada' Raquel Andraz se ingressara na empresa. Revelou que fora como os demais empregados: através de seleção. Afirmou que Raquel Andraz era uma jovem dedicada e inteligente e logo prosperou. Acreditava na inocência dela. Mas, infelizmente, havia 35 vozes afirmando ser culpada pelo assassinato do colega Petrio Assis. Visitei-a no presídio, endossou as palavras do ex-diretor. Ingressou através de seleção. Como o meu propósito era o de estabelecer um elo entre esse ingresso e o casal suspeito, perguntei quem a indicara para participar da seleção. Então, meu caro Liberato, a interrogada revelou uma curiosidade que, naquele momento, permitiu que eu a absolvesse com naturalidade. Disse que se encontrava numa parada de ônibus. Um desses veículos, após ter parado e partido, alguém atirou um jornal pela janela. As folhas sopradas pelo vento espalharam-se. Uma delas deslizou sobre a calçada e enroscou-se nas suas pernas. Ao encurvar-se para retirá-la, leu o chamativo convite da PRN. Inscreveu-se e participou da seleção na vaga para a função pretendida que apenas se restringia a uma. Para o seu descontentamento, obtivera o segundo lugar. Porém, o primeiro colocado optou por atender ao convite de uma outra empresa e assim foi efetivada. Afirmou que havia um coletivo falso testemunho contra a sua pessoa. Não empurrou o colega Petrio Assis. Indaguei como o fato ocorrera. Contou que, destacando-se nas tarefas que lhe eram atribuídas, fora designada para observar o setor de montagem, pois pretendiam aumentar a produção para atender à expressiva demanda. Então, ao cumprir a tarefa, observou que, em certo ponto, havia retardamento das peças que eram escoadas sobre a esteira rolante. Aproximou-se de Petrio Assis e verificou que ele apresentava dificuldade de encaixar a mola M-8 na peça. Foi substituído. As peças passaram a escoar de forma impressionante. Houve piadas dirigidas a Petrio refutando-as contrariado, abandonou a bancada desorientado, pisou no cadarço da própria botina que estavam desatados e, impulsionado, fora bater com a cabeça na quina da parede chegando a óbito. Faleceu no local. A equipe médica e a chefia, ao comparecer, os 35 montadores unanimemente a apontaram como a autora da morte do colega: fora ele empurrado. A suposta fatídica agressão foi muito explorada pela imprensa e o público indignado reagiu rejeitando categoricamente as peças de reposição NANCI. Então, meu caro Liberato, naquele momento descompromissado com outra analogia que não fosse a habitual, vi que não havia do que se falar de falência induzida: sabotagem. Cuja causa, acreditava que, fora falta de capital de giro para suportar por um tempo o repúdio nutrido pelo público. Outrossim, analisando a falência através da ótica dos Observadores da conspiração invisível, há de se reconhecer que houve fatos impressionantes. No entanto, sobre o estranho casal de transeunte... Mero casal de transeunte. Fruto de uma mente desconfiada.
Sem mais, um abraço.
Do amigo Rodolfo."

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