SUPERAÇÃO

O Departamento de Energia Nuclear foi irresponsável. O trabalho do senhor Sylvester não deveria ter sido subestimado da maneira como foi. Afinal fora um ofício enviado confidencialmente para eles, se ridículo não importava, o que deveriam fazer, no mínimo, seria arquivar.


... Deve ter havido risos quando o brasileiro Santos Dumont disse que poderia voar...
Mas, pensando amiúde, excremento ser capaz de produzir efeito mais devastador do que energia nuclear soa cômico, não é verdade? O invento do senhor Sylvester, consistia na cruel combinação de excremento com um líquido, cuja fórmula não revelou. Se errou deve-se ao modo impreciso que apresentou. Citou parcialmente os componentes e descreveu como aconteceria a radical explosão. Certo seria, além de descrever, fazer uma pequena demonstração, aí o respeitariam. Santos Dumont só foi respeitado assim que a geringonça saltou em pequenos voos. Então, em razão do descuido, o indiscreto chefão do departamento de energia nuclear, numa certa entrevista, enaltecendo alguma coisa, disse que, vez por outra, recebia ideias absurdas de imbecis. A mais recente partira de um certo Sylvester, morador da cidade Fulen. Afirmava no ofício que, excremento reagindo com certo líquido, seria capaz de superar a bomba atômica e todas do gênero. Houve debochados risos na bancada. Mas como deveria saber, hoje o mundo é interligado pela tecnologia. Então o gracejo do chefão do Departamento de Energia Nuclear não demorou a invadir a pequena cidade de Fulen, nascendo imediatamente uma alcunha ridícula para um capacitado, digno e honrado homem: o senhor Sylvester. Mestre, doutor e PHD. Títulos que acumulava nas áreas de Biologia Química, Física e Matemática. Patriarca de uma família decente e ex-prefeito íntegro da pequena Fulen, onde residia. “Sylvester Titica”. Assim passaram a tratá-lo. Sylvester Titica pra lá. Sylvester Titica pra cá. Magoado e constrangido, mudou-se para a propriedade que possuía a vinte quilômetros do centro de Fulen. Uma bem cuidada fazenda, melhor dizendo, com pista de pouso exclusiva para o seu monomotor. Porém, mesmo distanciado, a chacota não cedeu e as vitimas foram os familiares “Primo do Sylvester Titica” “Sobrinho do Sylvester Titica” “Neto do Sylvester Titica”. Enfim. Mas paciência tem limite não é verdade? Então a gota d’ água para sua fúria acontecerá na missa em memória da alma do pai. Uma comemoração que freqüentava há décadas, não poderia deixar de comparecer. Acompanhado da numerosa família a cerimônia transcorria normalmente, porém, em dado momento, o padre, ao mencionar que entre as almas elevadas naquela celebração de fé, estava a do saudoso senhor Nik Ebran, alguém que se sentava ao fundo, imitando o tom solene do padre, deixou escapar:
– Pai do senhor Sylvester Titica.
Ora, profundamente magoado, reuniu, à noite, familiares e amigos e os alertou, dizendo que, quem quisesse testemunhar o que aconteceria no então premeditado dia 27 do mês em curso, deixasse a cidade ou se refugiasse ali na fazenda. Quem não quisesse testemunhar que nela permanecesse.
– Por favor, papai.
– Estão avisados e dispensados.
Esvaziada a residência, a esposa lhe perguntou se estava convencido da eficácia do invento. Afirmando, ela disse que carregaria na consciência o sepultamento de cerca de oitenta mil pessoas.
– Oitenta mil pessoas que vêm torrando-me a paciência. – replicou ele.
Com as dimensões da cidade em mãos, tratou de calcular proporções, cantando-se em verso, no ínterim, que ele estaria azedando o intestino para bombardear Fulen. Isso em razão de algum dos participantes daquela curta reunião ter, bem intencionado, dado com a língua nos dentes. No entanto, surtira efeito positivo, pois o senhor Korin, levando a sério, o visitou e lhe perguntou o que pretendia provar:
– Ridicularizam-me.
– Os que o ridicularizam sobreviveriam para testemunhar sua glória, senhor Sylvester?
– Estou convencido que não.
– Possuo uma área improdutiva, cedo-lhe para demonstração.
Meditando sobre a presteza, a esposa esboçou um sorriso de alívio e assim aceitou a oferta. Anotou as dimensões da propriedade e, mais uma vez, tratou de calcular proporções. Então, às 10h30min do dia 27, subia no monomotor, em poder de um cilindro de metal rigorosamente tampado, cuja composição, naquela oportunidade, fora: mil mililitros do secreto e precioso líquido, uma frágil ampola contendo ínfima porção de bosta e pequenas esferas de aço para garantir o rompimento da ampola. Sobrevoando a área, avistava a população de Fulen em peso acotovelada em volta da propriedade. Sobrevoou mais algumas vezes e, ao definir um ponto adequado, largou o cilindro. Então, o cilindro, ao tocar no solo e a reação acontecido, foi semelhante à de petróleo jorrando. Um imenso cogumelo de bosta com mais de trezentos metros de altura subiu ao céu. Os incrédulos ficaram horrorizados:
– Meu Deus!
E quando o cogumelo começou a se desfazer, ruindo abaixo, uma avalanche de merda escorrendo em todas as direções. Correram desesperados, porém, como tudo havia sido minuciosamente calculado, não ultrapassou os limites da área destinada...
– Se tivesse usado dez gramas devastaria todo o estado. – disse Sylvester ao desembarcar da aeronave.
Bem, o chefão do Departamento de Energia Nuclear, ao saber da façanha enfiou as vistas no vazio. Quem visita Fulen não deixa escapar a oportunidade de visitar a imensa área atolada de excremento solidificado. Quanto à alcunha, − Sylvester Titica −, por incrível que pareça, nunca mais ousaram pronunciar.


ILUSÃO OU FATO?

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