"PEDRO FLOREIRO"

Segundo “Pedro Floreiro”, seus crimes foram praticados através de sonhos. Cordelistas e repentistas fantasiam a história e exploram a barbárie opostamente.


“Pedro Floreiro”, cuja data de aniversário de morte é comemorada no dia 14 de junho, tem na praça principal da cidade uma estátua a caráter em sua homenagem, ofertando flores, como vivera. No dia de finados, confusamente, a sua lápide é uma das mais visitadas.
Quem conta a obscura história de “Pedro Floreiro” é o senhor Narciso de Alcântara, 78 anos. Antes de introduzi-la, perguntei se poderia levar em consideração as narrativas cantadas pelos repentistas.
– Aos que me procuram, transmito o que colhi, sem tecer opinião...
–...
–... “Pedro Floreiro” fora uma figura popular da região. O seu verdadeiro nome permanece uma incógnita...
– Era também conhecido como “Pedro de Dulce”. – conversei.
– O nome certamente de sua ignorada genitora. Antes dos atos macabros praticados por ele, houve um episódio que sustenta a história como sólida, digamos assim. Porém, fora encarada na época como anedota.
– Refere-se a “Nélson da Loteria.”
– Deseja ouvi-la agora ou posteriormente num momento mais propício?
– Como queira. – respondi.
– Ora, se assassinato em série em uma metrópole é assustador, imagine numa cidade pequena igual à nossa? Havia quatro misteriosos assassinatos de menores, em aberto. Então, o apontamento do “Assassino da Noite” como assim era conhecido, se deu da seguinte forma: “Pedrita”, uma travestis arruaceira, ao ser recambiada de volta para a cidade, ao cruzar a Praça das Flores, propôs aos policiais da viatura que, se o recolhessem numa cela feminina, revelaria quem era o sonâmbulo assassino da noite. Acordo fechado, apontou “Pedro Floreiro”.
– Sonâmbulo?
– Ouvia-se pela primeira. Os assassinatos eram praticados depois das 1:30 horas da madrugada. Havia relação. Além do mais, o implacável assassino da noite deixava no local do flagelo um buquê de flores. Montaram espreita. No quinto dia de vigília, avistaram o até então considerado suposto malfeitor “Pedro Floreiro” deixando a humilde residência onde morava. Um homem solitário. Seguiram-no, prestes a adentrar uma casa para praticar o quinto assassinato, quando um cão latiu. Mostrou-se desorientado, segundo os policiais. Ao tentar fugir, atiraram para o alto. Fora capturado minutos depois dormindo, ao que parecia, entocado num local que até mesmo uma criança o encontraria. Na delegacia, contou sonhos. Cada assassinato fora um sonho que tivera.
– Dai sonâmbulo, como dissera “Pedrita”.
– Perfeitamente.
– Múrcia Linhares fora morta a doze quilômetros distantes daqui. – sublinhei.
– Fizera o trajeto de bicicleta, assim confessou.
– Fizera o trajeto de bicicleta, dormindo?
– Cometera quatro assassinatos: dois garotos e duas garotas, ambos menores. Então detido, seria linchado. Mas os agentes foram ágeis.
– Cometera quatro assassinatos dormindo? − voltei a questionar.
– Fora submetido a exames médicos dos mais diversos, cuja conclusão atestou-se…
– Louco.
– Assim rubricaram… Os jovens assassinados eram pessoas do bem. Não tinham passagem na delegacia. Notáveis alunos, por sinal. Não se relacionavam entre si, e não existia apatia entre eles e “Pedro Floreiro”, nem entre os familiares e o malfeitor. Preso. Na capital. Para onde fora conduzido. Desejou se confessar com o padre Aguiar. O nosso estimado pároco se dirigiu à capital para atendê-lo. Então, a partir desse momento, a história de “Pedro Floreiro” começa a ser construída. Os cordelistas passam a explorar o fato, historiando como: abate de anjos por uma fera. Tempos depois, os repentistas os imitam. Narram, porém sob ângulo oposto: abate de feras por um anjo. Os familiares das vítimas, incomodados com a falta de respeito como os entes queridos, pressionam o padre para que revelasse a confissão. Pois deveria ser semelhante à confissão que fizera na delegacia e assim ficaria uniforme. Mas óbvio que não faria, pois aético. A confissão de “Pedro Floreiro”, lavrada na delegacia, é contínua, fica exposta a bel-prazer do público. Em nenhum momento, consta ter sido guiado por alguma entidade. Foram sonhos, segundo ele. Bem-sucedidos por sinal. Pois os jovens foram mortos sem alarde no interior de suas respectivas residências, enquanto dormiam. Não quero com isso levantar opinião, pois é fato. Questionado se chovia na noite do assassinato de Múrcia Linhares, não soube precisar. Solicitado para que contasse mais uma vez o '‘sonho’' do assassinato dessa jovem, disse que pedalou sob chuva. Naquela noite chovia.
Bebi o refrigerante que descansava sobre a mesa e pedi para que falasse sobre Nélson da Loteria.
– A história do Nélson antecede em um ano à dos trágicos assassinatos dos garotos. Nélson, ao ser contemplado, disse que compensaria “Pedro Floreiro” pelo palpite. Fato que não foi levado a sério e ficou esquecido. Depois que “Pedro Floreiro” foi preso, o delegado que conduzia o inquérito na tentativa de construir um elo, o intimou para esclarecer sobre a adormecida promessa. Contou o que todos sabiam. Numa rodada de dominó, realizada durante a madrugada, “Pedro Floreiro” aproximou-se e disse gratuitamente que o milhar da quarta-feira seria 20505. Na quarta-feira lembrou-se da sugestão, comprou todo o bilhete e não a fração, cujo resultado não foi outro. Rendeu-lhe fabulosa soma. Perguntado como “Pedro Floreiro” se comportava na noite do palpite, respondeu que o fato havia acontecido há um ano, portanto qualquer afirmação seria leviana. Lembra-se de que se aproximou do tabuleiro sugeriu a esmo o milhar e se foi...
Meditei e quis saber de onde partira a ideia de homenageá-lo.
– As histórias de cordel, também fantasiosas, sempre foram mais consumidas. Então, respaldado por cordelistas, criou-se a estátua: Abatedor de Anjos.
De onde estava, avistava-se a estátua de “Pedro Floreiro”. Camisa aberta, mangas arregaçadas, ofertando flores.


ILUSÃO OU FATO?

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