O CASO GREGÓRIO SAVA

Julgado precipitadamente pelas redes sociais, a juíza Irla percebe no acusado Gregório Sava sinceridade em seu depoimento.


Na pré-audiência de julgamento, a juíza Irla pergunta ao acusado Gregório Sava, 38 anos, se preferia entregar o produto do roubo ou aguardar pelo julgamento formal, cujas leis seriam mais bem observadas. Ele responde que preferia aguardar pelo julgamento formal e retruca que nada tinha roubado.
– Tudo bem! – enfatiza a magistrada.
O suposto roubo de conhecimento público tinha incisiva opinião dos internautas. Caso fosse, em outros tempos, a imposição do gatuno já teria sido solucionada: ao pau de arara o conduziriam. Todavia, não corria o risco de ser garguelado para revelar onde as joias se encontravam escondidas, graças à ajuda de certo promotor, que, além de conseguir que fosse trancafiado ali naquele complexo judicial, o alojara em uma cela que tinha como companheiro um playboy milionário. O promotor trabalhava para que ele cumprisse cinco anos de prisão. Porém, uma vez pena cumprida sem a devolução do produto afanado, a sentença seria renovada equivalendo-se à dívida de cartão de crédito de mau pagador.
Numa atitude rara, a juíza Irla, que o interpelou, solicita que o trouxessem a seu gabinete. Atendida, agradece ao agente que o trouxera e diz de forma cortês:
– Pode deixá-lo.
Ele ficou de pé defronte a ela.
–…
Manifesta a juíza:
– Se fosse pela vontade do público das redes sociais, o senhor já teria sido entregue aos lobos.
– Nada roubei, Excelência. – replica.
Fixa as vistas na tela do computador e, a seu modo, lê:
– Andarilho tornou-se, num momento de desgosto. Perambulando pelas ruas de um bairro nobre de uma cidade, milhas distantes da terra natal, ao passar ao portão de uma residência, eis que um pequeno cão sai de seu interior e começa a latir. Brinca com ele. O cão late e faz menção de correr de volta para o interior da casa. Afastava-se. O cão o olha, late e repete a menção. Deduz que pedia ajuda. Salta o muro e, guiado pelo pequeno animal, adentra a residência…
– Exatamente assim, Excelência.
–… Também consta nos laudos que o senhor se retirou da residência como adentrou: saltando o muro. No entanto, em poder de uma valise, contendo joias ofertadas por uma idosa de 84 anos.
–…
–… Pode falar… – consente ela.
– Também consta nos laudos, Excelência, que só tomei conhecimento da possibilidade de as peças serem verdadeiras através do senhor Castilho.
– Por qual razão uma idosa lhe entregaria um tesouro? O senhor mesmo omite de nós algo de suma importância.
– Sou um andarilho, Excelência… Adentrei uma residência... vazia.
A juíza fixa os olhos em Gregório e indaga:
– O que quer dizer com “vazia”?
–…
– Muito bem. Soubera que estava sendo procurado através de um televisor.
– Da vitrine de uma loja. Então contei todo o ocorrido ao senhor Castilho, o proprietário do restaurante, o qual me acolheu em troca de serviços. Perplexo, disse-me que uma câmara de segurança havia me captado caminhando com uma valise. Indagando onde se encontrava, respondi que estava acondicionada em uma sacola guardada em um dos meus refúgios noturnos. Fora um presente que me fora ofertado pela senhora. Por algum motivo deduziu que as peças deveriam ser verdadeiras. Motivado pela perplexidade, assim acredito, telefonou para um amigo: o promotor Gustavo.
– Motivado pela perplexidade de quê?
–…
–… Prossiga, senhor…
– O promotor Gustavo compareceu. Relatei parcialmente para ele a história. Deu cinco a seis telefonemas e convenceu-me a acompanhá-lo até a delegacia, onde a queixa fora registrada pelo casal: o filho e a nora da solitária senhora. Assim soube. Na unidade policial, relatei também, parcialmente, para o delegado. Em relação ao que havia acontecido no interior da residência e onde as peças estavam guardadas, recusei prestar informações. A todo custo, assim observei, o promotor Gustavo conseguiu que eu fosse trazido para cá.
– Tem conhecimento dos pormenores da próxima audiência?
– Tenho, Excelência.
– Os queixosos, bem como a idosa, incumbida de fazer o reconhecimento de sua pessoa estarão presentes.
– Tenho conhecimento, Excelência. Estou convencido de que a idosa relatará o motivo de minha presença no interior da residência e também dirá se me ofertou “as porcarias”, como assim se referiu às peças em questão, ou se fora eu que me apoderei delas. Apenas isso que espero.
A juíza o encara...
– O dog, clamava por socorro? – pergunta.
– ...
– A socorreu. 
– ... 
– Muito bem!
Aciona a campainha, o carcereiro apresenta-se, e Gregório é retirado da sala.
Os salões das audiências formais: instrução e julgamento. Eram também pouco espaçosos. A audiência do acusado Gregório Sava estava marcada para as 16 horas. A juíza Irla, na condição de anônima cidadã, acomodava-se em uma das poltronas destinadas ao público. Olhava repetidas vezes para o acusado, sentado ao lado de um advogado do Estado. Os minutos avançavam e as vítimas não se apresentavam. O juiz, por sua vez, aproveitando-se do ócio, distraía-se no celular sem perder, no entanto, o foco do relógio pendurado na parede. Em dado momento, retira os olhos do relógio. Diz que os minutos de prorrogação haviam sidos esgotados. O processo tramitado, à revelia, inocentava o acusado... Irla pensa em se dirigir a Gregório, mas opta em deixar o salão.
Exceto os membros da família em questão, apenas Gregório Sava e o senhor Castilho tiveram conhecimento sobre o que realmente acontecia no interior da residência.


ILUSÃO OU FATO?

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