CONTATO COM DEUS

O fugitivo da penitenciária do Estado, Zani, 23 anos, havia, de carona em carona, viajando, trepado nas carrocerias de caminhões, chegado àquele destino: uma zona de agricultores. Perdido, descansando à sombra de uma árvore, ao avistar um garoto passar, perguntou para onde estava indo. O franzino garoto, Gros, respondeu que estava se dirigindo para casa.


– Há o que comer?
– Abacaxis.
– … abacaxis…
– É o que posso lhe servir. – disse Gros, ignorando a descortesia do faminto homem.
Erguendo-se, demonstrando assim ter aceitado a oferta, passaram a caminhar juntos. Contando-lhe Gros que seus pais haviam sido assassinados, esclareceu que morava sozinho e tomava conta da plantação de abacaxis, herança deixada por eles.
– Amanhã haverá colheita. A produção é vendida para uma indústria de sucos. – disse ainda Gros.
– Pagam na hora?
– Tão logo os dois caminhões estejam carregados.
Conversou dissimulado o forasteiro:
– Não sei o que seria de mim se não fosse o trabalho.
– Dignifica o homem. Assim ouvia dos meus pais. – replicou Cros.
– Sábios.
A casa era desleixada, de alpendre e caiada. Zani, observando a plantação, saboreava o segundo abacaxi, quando perguntou pela idade do garoto.
– Doze anos.
– Amanha haverá colheita, pagam na hora e be– Mantinham-nos por dois anos.
Zani, malicioso, após limpar a boca, disse-lhe que, se desejasse, ficaria para ajudar.
– Não ama trabalhar?
– Lógico!
– Contratado está.
Às vinte e uma horas, fizeram a última refeição do dia: café preto e pão seco. Foi então que Gros, sentado à mesa, disse a Zani que não sabia distinguir o que era certo e o que era errado.
– Como assim? – quis saber Zani.
Gros contou que tudo o que os pais fizeram foi trabalhar e juntar dinheiro. Café preto e pão pela manhã e à noite. E, ao meio-dia, arroz com carne salgada e frita. Estava vestido no único short. Tinha apenas uma calça, duas blusas e um par de sandálias. Foram assassinados na capital por estarem sem dinheiro e o dinheiro por ali estava.
– Por aqui? Onde? – inquiriu Zani mais que curioso.
– Escondido em algum lugar da casa. Já procurei, mas não encontrei. Tenho planos em mente para ele. Um canteiro de mudas e uma bicicleta facilitariam muito as coisas.
Zani, pensativo, correu as vistas estudando em volta da sala e, em dado momento as recolheu, e sorriu… Às vinte e duas horas, resolveram se deitar.
– Aqui é o quarto de hóspede. – mostrou-lhe Gros.
Havia uma cama sem forro, um travesseiro e um armário.
– Costumo dormir rapidamente. – disse astuto Zani.
– Eu também. No armário, há um cobertor. A noite é fria. – enfatizou Gros, zeloso, despedindo-se.
Zani se deitou. Porém, ao invés de tratar de dormir, ficou meditando. Duas horas depois se levantou. A casa estava às escuras. Ao andar nas pontas dos pés pelo corredor escutou uma voz firme e determinante dizer:
Alto lá!
Voltando-se, viu um feixe de luz.
– …!
Para onde pensas que vai?! Pedra é o que existe no teu peito? Será que não há um outro tipo de glória? E recorrem a mim quando em dificuldade se encontram, lembra-se?
– … Lembro-me sim…
Estás lembrado?
– Estou, senhor.
O que me diz?
Zani, ao fugir da penitenciária, correra sob disparos precisos das sentinelas, clamando por Deus...
– Não iria fazer mal ao garoto. – justificou Zani, assustado.
Como assim?!
– Acredito ter localizado o dinheiro deixado pelos pais dele.
Apanharia e o entregaria?
– …
Não?! Iria trair a confiança de alguém que confiou em ti? Que lhe matou a Fome, ofertou emprego e lhe ofereceu abrigo?!
– Senhor!
Ingrato! Em verdade vos digo: se nele tocar num único fio de cabelo, sem que a intenção não seja a de carinho, engrossará o rol dos maus. Conhecerá o desconhecido. A morte retardará e, por sobre pedras aquecidas, serão os seus dias.
– …!
A luz desapareceu. Zani, mais que silencioso e desfeito, retornou para o quarto e se deitou. Ao despertar com o dia clareando, o cheiro de café invadia-lhe as narinas.
– Dormiu bem? – perguntou Gros.
Zani afirmou e, ao sentar-se à mesa, correu as vistas em torno da sala e perguntou o que havia no interior do falso tijolo da parede azul-fingido. Gros, após olhar, pediu-lhe para que o carregasse. Assim feito, ao apanhar o tijolo e abri-lo, seus olhos brilharam.
– É o dinheiro, Zani!…
– Feliz?Igual a um garoto, que era, Gros delineou inúmeras finalidades para a importância encontrada…


ILUSÃO OU FATO?

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