O CASAMENTO DOS "NOIVOS MORTOS"

A antiga festa do casamento dos “Noivos Mortos”, Tereu e Nircia, criada no início do século passado por um pessimista senhor morador da cidade de Decota, não passava de uma encenação teatral pública que exaltava a dificuldade da união entre o capital e a generosidade.


Ilustrava que Tereu, um moço rico, se casaria com Nircia, uma pobre donzela. Os preparativos dos noivos para a realização do evento, marcado para às 10h00min, se iniciava doze horas antes. Ou seja, às 22h00min do dia anterior. Assim, entre meia noite e uma hora da madrugada, os noivos Tereu e Nircia já estavam arrumados. Tereu, trajado elegantemente na residência dos pais, e Nircia, trajada elegantemente na casa da madrinha, residências três quilômetros distantes. Aguardavam serem mortos. Seriam simultaneamente mortos a qualquer momento com o mesmo instrumento perfurante, um tridente. Uma vez mortos, a notícia se espalhava, os corpos eram recolhidos e colocados em uma charrete que percorria as ruas da cidade, seguida por milhares de maltrapilhos, convencidos da impossibilidade do matrimônio: capital e a generosidade. Às cinco horas da manhã, os corpos eram enterrados: confirmava-se a sentença...
Porém, com o falecimento do derradeiro fiel mantenedor, a festa, foi modificada. Seus novos organizadores, ao assumirem a direção, substituíram os substantivos generosidade por fraternidade, destituíram o poder da incógnita: o capeta, transformando-a em um evento de otimismo então apoiado pela Igreja. Assim, para dar continuidade ao evento com ótica de esperança, introduziram que os noivos Tereu e Nircia, apareceram para o pároco da igreja Santa Úrsula, e solicitariam a realização do matrimônio. Então, no dia 13 de agosto, a engomada igreja Santa Úrsula reluz. Decota está em festa. Festa iniciada pontualmente às 09h45min. Fogos de artifícios pipocam sob olhares de milhares de pessoas comprimidas na praça, tagarelando ansiosas pelo início do evento que é anunciado com toque de clarim. A multidão silencia, e gritos dos organizadores estrategicamente posicionados eclodem:
− Os noivos se aproximam!
Luxuosa Limousine adentra a praça, sob aplausos, e para a porta da igreja.
– Deus seja louvado! – gritam os organizadores.
Os noivos Tereu e Nircia descem do lustroso automóvel, caminham alguns metros e se voltam tornando assim visível a todos as alvas vestes perfuradas e manchadas de sangue.
− Eles venceram! – os organizadores aos gritos.
Os noivos, com mãos unidas e vestes perfuradas e manchadas de sangue, caminham de encontro à igreja.
– O amor está acima de tudo! – gritam os organizadores.
A cerimônia é rápida. Ao saírem da igreja, exibem as alianças de matrimônio introduzidas nos dedos.
– Eles se casaram, senhor! – gritos entusiasmados dos organizadores.
Irradiando felicidade, ocupam novamente o veículo, partem sob festivo aplauso. O casal feliz acena de seu interior. O evento finaliza de forma também emocionante. Organizadores e colaboradores: senhores, senhoras e jovens. E até mesmo crianças. Entusiasmados, correm entre o público, ritmando:
– Deus é maior! – Deus é maior! – Deus é maior!


ILUSÃO OU FATO?

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